domingo, novembro 30, 2003

Real Fuga Marítima

A propósito de datas marítimas da nossa História, perfizeram-se ontem 196 anos sobre a fuga da família real portuguesa para o Brasil.

Em Novembro de 1807 a fronteira de Portugal foi invadida por um poderoso exército franco-espanhol, sob as ordens do General Junot, num total de mais de 40.000 homens. Iniciara-se a primeira invasão francesa de Portugal na Guerra Peninsular. A lenta mas determinada marcha para Lisboa encaminhava sem grande oposição para Lisboa.
Face a este ataque, o príncipe regente D. João (futuro rei D. João VI), que assumia desde 1792 o governo do reino em nome da raínha D. Maria I, sua mãe (incapacitada por distúrbios mentais) decidiu activar o plano de retirada da Corte, concebido poucos anos antes.

Para evitar a captura pela França, a família real, o governo, e a Corte portuguesa embarcaram numa armada escoltada por uma esquadra inglesa aliada para o exílio no Brasil.
O embarque teve lugar dia 27 de Novembro no Cais de Belém , mas devido a ventos contrários a partida da barra do Tejo só ocorreu no dia 29. Infelizmente, a qualidade da única pintura conhecida (do francês Nicolas Delerive, actualmente no Museu Nacional dos Coches em Lisboa) disponível "on-line" é esta ou esta.

A bordo, seguiam, respectivamente, no navio de linha «Príncipe Real», a Raínha D. Maria, o príncipe D. João e os seus irmãos, os infantes D. Pedro e D. Miguel; no «Afonso de Albuquerque» seguiam D. Carlota Joaquina e as suas 4 filhas; no «Príncipe do Brasil», a princesa D. Maria Francisca Benedita e a infanta D. Maria Ana, ambas irmãs da Raínha; e, no «Rainha de Portugal», as filhas de D. Carlota Joaquina, infantas D. Maria Francisca de Assis e D. Isabel Maria. Os historiadores ainda não estão de acordo realtivamente ao número de integrantes da real comitiva, tendo-se mencionado 10.000 a 12.000 pessoas, embora recentemente este número tenha sido consideravelmente revisto com base em novas investigações, situando-se à volta de um milhar apenas.

A esquadra de escolta inglesa compunha-se, entre outros, dos HMS «Bedford», «Monarch», «Hibernia», «Marlborough» e «London», a fragata «Solebay» e as chalupas «Confiance» e «Redwing», sob o comando geral do Comodoro Graham Moore (capitão do HMS «Marlborough»).

À partida de Lisboa, formavam um total de 57 navios, compostos por 18 navios de guerra portugueses, 13 ingleses e 26 navios mercantes. Dia 7 de Março de 1808, aportaram finalmente ao Rio de Janeiro.
Entretanto, em Lisboa, Chegado junto à Torre de Belém, o irado General Junot teve apenas tempo de avistar a esquadra desaparecer no horizonte, ficando efectivamente a "ver navios".

Os anos passam e, em 1816, um ano após a derrota de Napoleão em Waterloo, D. João VI é reconhecido como rei de Portugal, mas permanece ainda vários anos no Brasil, regressando apenas em 1821. No reino do Brasil ficou o seu filho primogénito, D. Pedro, que acabou por declarar a independência em Setembro de 1824, declarando-se Imperador D. Pedro I.

Um Exílio Tropical
Transferida a Corte para o hemisfério Sul, o Rio de Janeiro tornou-se assim, e durante 13 anos, capital do império português.

Foi devido a este exílio que se instalou a primeira oficina de impressão oficial no Brasil, em Maio de 1808 (veja-se também este "site" para a história da impressão régia no Brasil). A bordo da armada portuguesa veio também a Biblioteca Real de Lisboa, razão pela qual hoje em dia se encontram cerca de 200 gravuras de Albrecht Durer, alguns Livros de Horas, mapas e manuscritos originais dos séculos XVI e XVII, de um total de 60.000 volumes transportados de Lisboa.

Este manancial de cultura atravessou o Atlântico cuidadosamente encaixotado no «Meduza», em que seguia Antonio de Araújo de Azevedo, Conde da Barca. Na sua bagagem, o Conde também trouxe uma valiosa colecção de Mineralogia, assim como diverso equipamento de laboratório. Durante o exílio, dedicou-se ao cultivo de um rico jardim botânico, composto por cerca de 1.400 plantas exóticas na sua quinta, mais tarde apelidada de "Hortus Araujensis". De Lisboa também trouxera a sua própria biblioteca, de mais de 6.000 volumes, que veio a ser incorporada nas colecções da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A longa viagem da Biblioteca Real foi estudada e está disponível em livro.

Mas os navios do rei também carregaram nos seus porões os fundos do Tesouro Nacional, ou seja, a imensa quantia de oitenta milhões de cruzados, o equivalente a metade de todo o dinheiro que circulava em Portugal.
Na verdade, muitos milhares de objectos de arte, móveis, pratas, quadros e grandes quantidades de baús com bens valiosos também fizeram parte das bagagens, parte das quais se encontra hoje dispersa.
Vários milhares de manuscritos e outros tantos livros impressos que ainda hoje se conservam na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Rei e riquezas que atravessaram o Oceano para dar lugar a um novo país, o maior da América Latina, que nos nossos dias ocupa quase metade da América do Sul e é o quinto maior país do mundo, tanto em área como em população. Para a História fica o episódio que tornou a cidade do Rio de Janeiro (já famosa pela sua arrebatadora beleza natural) a primeira, e única, capital europeia nos trópicos.

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