terça-feira, dezembro 23, 2003

Projecto «Alligator»

Um feliz acaso fez com que tenham sido descobertos este ano no Service Historique de la Marine (em Vincennes, arredores de Paris) os planos de Brutus de Villeroi, inventor francês e autor, em 1861, do projecto técnico do USS «Alligator», primeiro submarino da Marinha de Guerra dos Estados Unidos. Curiosamente, o próprio arquivo onde se guarda a caixa contendo estes papeis não possuia qualquer registo bibliográfico sobre os mesmos.

A Pasta 3084...
...do Arquivo de Vincennes continha nem mais nem menos que os "Plans du Bateau Sous-Marin", ou seja, os planos técnicos, até agora desconhecidos, deste submarino pioneiro. Contém desenhos de um submersível longilíneo, em formato tubular, com uma série de pequenas vigias, uma câmara de mergulho e o sistema de propulsão inicial, com remos retrácteis. A descoberta permitirá a revelação de aspectos obscuros sobre a concepção e o desaparecimento do primeiro submarino de guerra norte-americano.

A investigação decorre a cargo de uma parceria entre o Office of Naval Research (Departamento de Pesquisa Naval) da N.O.A.A. (National Oceanic and Atmospheric Administration) e a U.S. Navy (Marinha de Guerra dos Estados Unidos), reunindo especialistas e investigadores em História naval, Arqueologia Náutica, Oceanografia, Engenharia e Exploração Oceânica para discutir a possibilidade de localização e recuperação do submarino afundado.

Afinal havia outro (submarino)
Esta curiosidade tecnológica é, de facto, pouco anterior ao «Hunley» (veja-se um nosso "post" anterior) mas inclui-se claramente neste período fértil em progresso navais durante a Guerra Civil norte-americana, que viu nascer alguns dos primeiros e mais conhecidos navios couraçados semi-submersíveis da História, como o USS «Monitor» (do qual falaremos dentro em pouco tempo), e as respostas dos Confederados, com o CSS «Hunley».
De facto, o «Alligator» foi concebido originalmente para fazer face a uma canhoneira couraçada semi-submersível, o USS «Virginia», também conhecido nos Estados do Norte como «Merrimack».

Construído em Filadélfia, o «Alligator» media 14 metros de comprimento e deslocava 275 toneladas (à superfície; 350 toneladas submerso), albergando uma tripulação de 20 homens. O sistema inicial de propulsão a remos foi mais tarde substituído por uma hélice helicoidal à ré.
Uma das mais interessantes características do «Alligator» era o seu sistema pioneiro, embora rudimentar, de renovação do ar, eliminando a ameaça do excesso de dióxido de carbono no seu interior. Muito provavelmente, disporia de um compressor de ar para alimentar o mergulhador durante as suas missões. Ambas características marcaram um enorme avanço para a época e não voltaram a ser utilizadas em submarinos até ao final do séc. XIX.

Sobre o pai do «Alligator», o francês Villeroi, emigrado nos Estados Unidos alguns historiadores pensam que poderá ter tido influencia decisiva na mente imaginativa de um jovem discípulo na disciplina de matemática, Júlio Verne. Sabe-se ainda que Villeroi dedicou-se a experiências com navios submersíveis no Rio Delaware, tendo-lhe sido confiscado em 1861 um submarino anterior pela Polícia de Filadélfia, que suspeitava de alegadas "intenções traiçoeiras". Um excesso de elo que não impediu o desenvolvimento da prometedora arma submersa.

A Perda do «Alligator»
Lançado em Maio de 1862, o submarino nunca entrou em combate, embora tenha sido o primeiro submarino da US Navy a ser posicionado numa zona de guerra, em Hampton Roads, onde se planeara uma acção de demolição de pontes e obstáculos inimigos, sem sequência.
O próprio Presidente Abraham Lincoln, personagem fascinado pela tecnologia, terá testemunhado os trabalhos de remodelação a que foi sujeito em 1862 nos estaleiros de Washington.

No ano seguinte, ao ser rebocado (selado e vazio) pelo vapor USS «Sumpter» para uma nova zona de operações, no porto de Charleston, o «Alligator» afundou-se no meio de uma tempestade repentina, algures ao largo do traiçoeiro Cabo Hatteras, na Carolina do Norte. As últimas coordenadas registadas foram 34.43 de Latitude e 75.20 de Longitude ao meio-dia de 2 de Abril de 1863. Tendo cortado as amarras com que rebocava o submarino, o «Sumpter» só pôde tentar regressar ao local onde o abandonara à deriva um dia depois, mas sem sucesso devido à intensidade dos ventos.
A partir de então, o notável submarino caiu no esquecimento.

História, Mistério e Tecnologia Naval
O sistema ofensivo do «Alligator» consistia, supreendentemente num "hard-hat diver", isto é, um mergulhador "pé-de-chumbo" com capacete rígido enviado a danificar navios inimigos) em vez da carga explosva transportada num esporão à vante do «Hunley».
O mergulhador deixaria o submarino através de uma inovadora câmara de mergulho, transportando uma carga explosiva ligada ao submarino por cabos eléctricos, colocaria a carga ao casco a atingir, a qual seria detonada posteriormente por descarga eléctrica.
No entanto, o submarino destinava-se a operar apenas em águas fluviais e portuárias.

Em Busca da Arma Submersa
Um dos responsáveis por esta busca original, o Contra-Almirante Jay Cohen, Director do Office of Naval Research teve a ideia de lançar o projecto em 2002, quando esteve envolvido na bem sucedida missão de busca vedeta torpedeira ("torpedo boat") a bordo da qual servia o futuro Presidente John F. Kennedy durante a II Guerra Mundial, a célebre PT-109 afundada no Pacífico Sul.
Pensa-se que o «Alligator» se poderá encontrar a 3.000 metros de profundidade, nas proximidades do limite da plataforma continental norte-americana.

O primeiro Simpósio sobre o fascinante USS «Alligator» decorreu no Museu "Historic Ship Nautilus and Submarine Force" em Groton, no Connecticut, tendo servido para reunir e partilhar informações e novas descobertas entre especialistas sobre o submarino.
Leia-se notícia detalhada no Washington Post.

A história destes pioneiros navios submersíveis de guerra foi recentemente publicada por Mark K. Ragan, em "Submarine Warfare in the Civil War", em 1999 e reeditado em 2002.

Novas Descobertas Subaquáticas?
Segundo o director do Virginia War Museum, uma prospecção subaquática levada a cabo para construção de um terminal marítimo no Rio Elizabeth assinalou a existência de duas grandes massas metálicas afundadas. Os investigadores pensam tratarem-se dos destroços do semi-submersível couraçado CSS «Virginia» («Merrimack») e de uma escuna que colidiu com ele e afundou-se ao seu lado. O «Virginia» foi abandonado e destruído pela tripulação ao largo de Craney Island (Virginia) em 1862, depois de um combate com o seu rival directo, o USS «Monitor», também ele redescoberto a 73 metros de profundidade, cujas caldeira e torre de canhões foram removidas numa operação igualmente liderada pelo N.O.A.A..

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